Guarda compartilhada de fachada: Quando só um dos pais exerce a parentalidade e a possibilidade de sua conversão em guarda unilateral
Com o divórcio ou separação, a desunião dos pais acaba exigindo que entre eles seja feita uma redistribuição dos papeis parentais que, antes, eram exercidos conjuntamente.
Essa redistribuição, não raramente, faz surgir pais que aparecem apenas nos finais de semana – o que muitos chamam de “pai (ou mãe) fast food” – que acabam, por vezes, se tornando verdadeiros “pais (ou mães) fantasmas”, completamente ausentes da rotina e das responsabilidades do dia a dia dos filhos. Em outros casos, o genitor que detém a guarda se vale dessa posição para restringir a convivência com o outro, tomando decisões de forma unilateral e esvaziando o exercício do poder familiar compartilhado, o que compromete o equilíbrio e a cooperação esperados no pós-divórcio.
Para mitigar os impactos negativos do divórcio ou da separação na vida dos filhos, instituiu-se a guarda compartilhada. Nesse modelo, ambos os genitores mantêm o exercício conjunto da autoridade parental, sendo responsáveis por reger a vida do filho, orientar sua educação e decidir, em igualdade de condições, sobre todas as questões de interesse superior da criança ou do adolescente. Em essência, a guarda compartilhada busca assegurar a continuidade dos vínculos afetivos e a corresponsabilidade na criação dos filhos, preservando a estabilidade emocional e a presença ativa de ambos os pais, mesmo após a dissolução da união conjugal.
Após a promulgação da Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada passou a ser a regra no ordenamento jurídico brasileiro. Como consequência, houve um aumento significativo no número de ações de divórcio ou dissolução de união estável que adotam esse modelo. No entanto, surge um questionamento relevante: será que o compartilhamento da guarda tem sido efetivamente concretizado na prática, com a real participação de ambos os genitores nas decisões e responsabilidades do dia a dia da criança? Ou a guarda compartilhada tem sido, muitas vezes, apenas uma formalidade processual — uma espécie de “fachada jurídica” — para simular o cumprimento de uma norma que, em determinados contextos, mostra-se desconectada da realidade vivenciada pelas famílias?
Embora haja, em alguns casos, um esforço maior dos pais para exercerem a coparentalidade após a separação ou divórcio, o que se constata, na prática, é que a guarda compartilhada, muitas vezes, permanece apenas no papel. Apesar de, juridicamente, ambos os genitores deterem a autoridade parental de forma igualitária, é comum que um deles se exima das responsabilidades cotidianas, mantendo-se distante da rotina da criança e restringindo sua atuação a visitas esporádicas ou ao mero cumprimento de obrigações financeiras. Esse descompasso entre a formalidade da guarda e sua efetiva aplicação compromete o verdadeiro espírito da coparentalidade e sobrecarrega injustamente o genitor que, de fato, assume o cuidado integral.
Nos casos em que um dos genitores, mesmo diante da guarda compartilhada, limita-se a uma convivência esporádica com o filho e voluntariamente se mantém alheio e desinteressado das questões que envolvem sua vida, surgem, não raramente, problemas de ordem prática.
Como exigir daquele que efetivamente exerce os deveres parentais o compartilhamento de decisões relevantes com quem deliberadamente ignora os direitos e obrigações decorrentes da guarda? Como legitimar a opinião de um “falso guardião”, que, por escolha própria, desconhece a realidade e as necessidades da criança?
Além disso, como prevenir que esse genitor ativo, que se vê compelido a tomar decisões unilateralmente diante da omissão do outro, seja injustamente acusado de alienação parental? Seria justo ou razoável impor a ele a obrigação de consultar um genitor que, embora formalmente detentor da guarda, demonstra total desinteresse e ausência de vínculo com a rotina e as demandas da criança?
Todas essas questões são de relevância ímpar, pois possuem potencial para gerar litígios e desgastes familiares que podem, indubitavelmente, comprometer o desenvolvimento saudável dos filhos, além de prejudicar aqueles que, de boa-fé, exercem uma paternidade responsável.
Essas situações evidenciam um desequilíbrio injusto que penaliza quem efetivamente cuida e beneficia quem se ausenta. Nesse contexto, a conversão da guarda compartilhada em guarda unilateral não só é juridicamente viável, mas também necessária para assegurar um ambiente estável e equilibrado para os filhos.
Como se sabe, a guarda pode ser modificada por meio de decisão judicial. Nessa hipótese, a guarda está sujeita à clausula rebus sic standibus, ou seja, é imutável enquanto a situação fática na qual ela foi fixada for a mesma. Tratando de relação jurídica continuada e sobrevindo modificação na situação fática é possível a revisão da guarda, com base no art. 505, I do CPC.
Neste contexto, é plenamente viável a revisão da guarda nos casos em que, embora tenha sido fixada a guarda compartilhada, um dos genitores, com o passar do tempo, deixou de exercer efetivamente suas responsabilidades parentais. A ausência de participação ativa nas decisões e nos cuidados cotidianos do filho revela um descumprimento do modelo de coparentalidade e justifica a reavaliação do regime de guarda, a fim de adequá-lo à realidade vivenciada pela criança.
Corrobora com o argumento da possibilidade de revisão da guarda a nítida violação ao princípio da razoabilidade, pois, não é razoável a manutenção da guarda compartilhada se, na prática, a realidade demonstra o exercício exclusivo da guarda por apenas um dos genitores, em razão da omissão ou negligência do outro. A simples formalização da guarda compartilhada, sem que ela se concretize no cotidiano da criança, esvazia o instituto e o desvirtua de sua finalidade, servindo apenas como fachada para sustentar uma falsa corresponsabilidade parental, que em nada contribui para o melhor interesse do menor.
Outra situação que evidencia a irrazoabilidade da manutenção da guarda compartilhada — e reforça a necessidade de sua conversão em guarda unilateral — é a vulnerabilidade do guardião que, de fato, assume sozinho os cuidados com a criança.
Isso porque, se esse genitor deixa de consultar o outro — mesmo diante da reiterada ausência e desinteresse — corre o risco de ser injustamente acusado de alienação parental, já que, formalmente, ainda há a expectativa de diálogo e compartilhamento das decisões.
Por outro lado, se insiste em buscar a manifestação de vontade do genitor omisso, fica refém da sua boa vontade, o que compromete a tempestividade e a eficácia das decisões relativas à vida da criança — como questões escolares, médicas, viagens, mudanças de rotina, entre outras. Essa dependência retarda providências urgentes, prejudica o cotidiano da criança e compromete a autoridade do genitor responsável, desestimulando, inclusive, sua atuação proativa.
Essa assimetria de conduta distorce a finalidade da guarda compartilhada, gerando um desequilíbrio que penaliza quem cumpre seus deveres e premia quem se omite.
Ademais, considerando que a guarda impõe não apenas direitos, mas também deveres, não é admissível que aquele que se exime de suas responsabilidades reivindique os benefícios do instituto. Pelo princípio da boa-fé objetiva, as partes devem pautar sua conduta pela lealdade, transparência e comprometimento, sendo incompatível exigir direitos sem antes cumprir os deveres correspondentes.
Permitir que o genitor usufrua dos benefícios jurídicos e sociais do regime de guarda compartilhada, sem cumprir as obrigações correspondentes, além de injusto, fere frontalmente o princípio da boa-fé objetiva e da vedação ao comportamento contraditório.
Imperioso ressaltar que, embora a guarda compartilhada seja, em regra, solução que melhor atende aos interesses da criança, tal circunstância não se confirma nas hipóteses em que o guardião abdica de seus deveres, atribuindo ao outro a responsabilidade por todas as decisões e cuidados com a prole.
A negligência e omissão do genitor revelam não apenas o desinteresse no exercício da parentalidade responsável, mas também impõe à criança um modelo de convivência fragilizado, em que lhe é negado o pleno convívio e apoio de um dos pais, comprometendo seu desenvolvimento afetivo, emocional e psicológico.
Não se trata de afastar o genitor ausente da vida da criança, mas de reconhecer que a autoridade parental deve estar atrelada ao efetivo exercício dos deveres parentais. A guarda unilateral, nesse cenário, tem como finalidade assegurar à criança um ambiente de maior segurança, estabilidade e previsibilidade, permitindo que decisões relevantes sejam tomadas por quem, de fato, está presente e comprometido com seu bem-estar.
Importa destacar que tal medida preserva o direito de convivência do outro genitor, mas atribui ao guardião responsável a autonomia necessária para agir com agilidade, coerência e responsabilidade, promovendo o desenvolvimento pleno da criança — físico, emocional e psicológico — em consonância com os princípios constitucionais da proteção integral, do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana.
Por Larissa Waldow
Especialista em Direito das Famílias e Sucessões
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