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Sobre o Carnaval e a insegurança para a mulher

O tema é assédio. E é aquele latu sensu mesmo, aquele que, principalmente, nós, mulheres, sofremos na rua, no transporte público, no trabalho, no tribunal, na festa, no bar. É aquele que não há qualquer relação de hierarquia declarada – a não ser aquela existente na cabeça de quem se sente no direito de assediar.

É aquele assédio que te paralisa. Que te desmoraliza. É aquele assédio que te acua, que te faz questionar se a culpa é sua, se você provocou, se você está vestida adequadamente.

O Carnaval está chegando e com ele chega o pesadelo das mulheres. Dados relativos ao Carnaval de 2016 mostram que os relatos de violência contra a mulher quase triplicaram neste período, em relação ao período equivalente a 2015, tendo o Ligue 180 recebido um total de 3.174 telefonemas de mulheres afirmando terem sofrido violência.

De acordo com um balanço divulgado pela PM em 2/3/2017, ao menos uma mulher foi agredida a cada 3 minutos e 20 segundos na capital fluminense entre as 8h de sexta-feira (24) e as 8h de quarta-feira (1º) – período do Carnaval. Os dados são alarmantes se considerarmos que a violência é estritamente de gênero e que se trata de uma violência subnotificada, mormente quando falamos de assédio.

E assim, concluímos é que o feriado mais festejado pelo país representa uma data perigosa para as mulheres. Por este motivo, campanhas como #AconteceuNoCarnaval, em 2018 com abrangência nacional, são essenciais para mostrar dados que sejam subsídio para o governo tomar providências – não só aumentando o efetivo policial em locais críticos para a mulher, mas educando população e força de segurança sobre o que é o assédio e como é importante intervir para garantir uma festa segura para todos.

Por um lado, temos uma cultura que não reconhece o assédio como prática criminosa e, por outro, mulheres que não recebem o devido atendimento e amparo quando vítimas de tal violência. Temos um sistema absolutamente despreparado para lidar com o tema, e mulheres que – absorvidas pela cultura do estupro, que culpabiliza a vítima – não se sentem no direito de realizar a denúncia da agressão.

O assédio é crime e está previsto na legislação brasileira. Dispõe o artigo 146 do Código Penal, que é crime “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.

Não obstante, ainda temos o artigo 61 da Lei de Contravenção Penal que afirma ser uma contravenção “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”

E, ainda, temos o artigo 65 da mesma lei que consigna que “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável” também deve ser enquadrado como contravenção.

A pena é pequena? Infelizmente é, mas é capaz de valorar negativamente os antecedentes criminais, o que já é de extrema importância. E, ainda, é preciso ter em mente que, enquanto subnotificarmos esses crimes, estaremos endossando a cultura machista e misógina que vivemos.

Assim, ainda que os legisladores insistam em colocá-lo como crimes de menor potencial ofensivo, fato é: assédio ofende, amedronta e humilha.

É preciso parar de culpar a roupa, a cor da unha, o tamanho do salto alto e do decote, o tamanho do brinco e a cor do batom pelo assédio. É preciso parar com o discurso de que a vítima tem que passar mensagens claras de que não quer se assediada.

Aliás, se algo tem que ficar claro é que a regra e a mensagem padrão é uma só: ninguém quer ser assediado. Esta é a presunção, este é o ponto de partida.

Ah! E “não” é “não”, e não um “talvez” ou “insista mais um pouco que eu vou querer”. Não é não. É simples. E não respeitar o “não” é crime.

 

Fonte: catracalivre

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