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Breves considerações a respeito da possibilidade de penhora das contas vinculadas ao FGTS e PIS para pagamento de verbas de natureza alimentar

RESUMO

O presente artigo tem por finalidade traçar algumas considerações a respeito da possibilidade da penhora de contas vinculadas ao FGTS e PIS para pagamento de verbas de natureza alimentar.

1.INTRODUÇÃO

A mitigação da impenhorabilidade de bens prevista no CPC e algumas normas espaças, não raro, tem sido um grande desafio nas Execuções Judiciais. Não raro, as normas são aplicadas friamente, sem levar em conta o caso em concreto e outros princípios e valores jurídicos, causando, infelizmente, sentimento de injustiça ao beneficiar devedores contumazes e irresponsáveis.

O presente estudo, visa, apresentar, sem esgotar o tema, hipótese para mitigação da impenhorabilidade de contas vinculadas ao FGTS e PIS para pagamento de verba de natureza alimentar em especial, nas hipótese em que diversos meios foram esgotados para fins de localização de bens passíveis de penhora.

  1. Da finalidade da impenhorabilidade. Da possibilidade de sua mitigação frente aos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa, boa-fé, dignidade, igualdade, efetividade e razoabilidade

Nos termos do art. 391 do Código Civil, “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.” Entretanto, tal regra, no processo civil, é excepcionada frente à impenhorabilidade absoluta ou relativa conferida a alguns bens.

As regras de impenhorabilidade estão, tradicionalmente, associadas a princípios de elevada respeitabilidade, como os da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social.  Sendo assim, em regra, de acordo com Cândido Rangel [1] num processo de execução faz-se necessário buscar a satisfação integral do credor, sem sacrificar demasiadamente o devedor.

Ocorre que, a impenhorabilidade deve ser observada sob o manto da razoabilidade, pois, em caso de proteção indevida de bens do executado, haverá, sem dúvida alguma, clara negativa de justiça ao exequente que, assim como o executado, tem direito à observância do princípio da dignidade a seu favor.

Sendo assim, a fim de que sejam evitadas injustiças e tácita negativa de prestação jurisdicional, faz-se necessário aplicar o princípio da dignidade alicerçado no princípio da igualdade, permitindo-se, por conseguinte, a mitigação das regras de impenhorabilidade.

Ora, entender que, assim como o executado, o exequente também tem direito à observância da dignidade, constitui, naturalmente, interpretação razoável e justa, apta a embasar a atenuação das normas de impenhorabilidade Nesse sentido, pede-se vênia para citar as lições de Marcelo Abelha[2]:

(…) o credor deve ser visto apenas como um simples titular de um direito de crédito, mas alguém com direito à tutela jurisdicional justa e efetiva, e, muitas vezes, não se pode esquecer que o prejuízo que lhe foi causado pelo devedor, e que ora tenta ser restabelecido pela tutela executiva, poderá ter causado danos de toda monta (patrimoniais e extrapatrimoniais), ferindo-lhe igualmente, a dignidade. Exatamente por isso é que aqui se sustenta que, não obstante o rol do art. 649 do CPC ser claríssimo no sentido de que ali estão as hipóteses de impenhorabilidade escolhidas pelo legislador, é mister que o magistrado, no caso concreto, e, fundamentando-se em princípios constitucionais, possa afastar a imunidade de determinado bem arrolado nos incisos do art. 649, por entender que naquele caso concreto o valor jurídico da ‘proteção da dignidade do executado’ não está em jogo pelas próprias peculiaridades que envolvem a causa.

No que diz respeito à possibilidade de mitigação das regras de impenhorabilidade, doutrina Fredie Didier que, a despeito de ser legítima a criação de normas restritivas de penhora, “essas regras não estão imunes ao controle de constitucionalidade in concreto e, por isso, podem ser afastadas ou mitigadas se, no caso concreto, a sua aplicação revelar-se não razoável ou desproporcional”[3].

A mitigação, pois, se mostra fundamental na medida em que finalidade da impenhorabilidade é assegurar o mínimo necessário para que o executado sobreviva dignamente e não constituir imunidade dissociada de qualquer aspecto da realidade fática.

Neste viés, se protegida a impenhorabilidade, sem que a ela seja conferida interpretação razoável, compatível ao caso concreto, certamente, existirão casos em que caloteiros zombarão da justiça, sob a proteção da “dignidade humana”.  Tal situação anacrônica está em desacordo com os valores que orientam a sociedade, bem como em dissonância com princípios que regem o próprio Direito brasileiro, tais como, a vedação ao enriquecimento sem causa, boa-fé, dignidade, igualdade, efetividade e razoabilidade. Vejamos:

No que diz respeito ao enriquecimento sem causa, tem-se que todo inadimplemento implica em sua violação, pois, o devedor,  ao deixar de prestar a devida contraprestação, passa a se beneficiar de forma indevida, em detrimento do credor.  Entretanto, a ofensa a tal princípio pode se agravar quando, no caso concreto, o devedor, a despeito de possuir meios de pagamento, vale-se da impenhorabilidade para, simplesmente, permanecer inadimplente.

Tal situação, além de gerar profundo sentimento de injustiça, também viola princípio da boa-fé objetiva segundo o qual, é dever de todos a “atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte” [4], afinal, o que se espera é o cumprimento da lei de acordo com a finalidade para a qual foi criada, e não o seu desvirtuamento.

A ausência de relativização da impenhorabilidade, também pode gerar situações em que há ofensa da dignidade do credor, já que a superproteção do patrimônio do devedor favorece ao tratamento desigual, conferindo maior valor ao patrimônio do inadimplente.

Sendo assim, a ofensa à dignidade acaba por resultar em ofensa ao princípio da igualdade o qual deve conferir paridade no tratamento do patrimônio. Assim, ao invés de aplicar de forma irrestrita a impenhorabilidade, cabe ao interprete, o equilíbrio, o justo. Se ao devedor é garantido o mínimo necessário à sua sobrevivência, com as mais respeitáveis vênias, não se deve dar a ele mais que isso, sobretudo porque, na maioria das vezes, o seu endividamento ocorre de forma consciente, não sendo justo que terceiros paguem por sua irresponsabilidade.

Neste viés, pelo princípio da razoabilidade, pode-se dizer que é perfeitamente razoável exigir que o devedor cumpra com os compromissos financeiros assumidos, ainda que tal situação implique em reduzir o seu padrão de vida à condição mínima de subsistência. Se assim não for, toda e qualquer pessoa poderá assumir compromissos, sem qualquer restrição, pois quem pagará verdadeiramente por sua irresponsabilidade serão terceiros de boa-fé.

De todo o exposto, não há dúvidas que a regra da impenhorabilidade, sempre que possível, deve ser mitigada, sob pena de serem violados princípios indispensáveis ao equilíbrio e ordem da sociedade, privilegiando-se caloteiros de má-fé, em detrimentos de credores que ainda acreditam em valores como boa-fé, lealdade, probidade.

  1. DA POSSIBILIDADE DE MITIGAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE NO CASO DE PAGAMENTO DE CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. PRIORIDADE FRENTE A CRÉDITO DE NATUREZA MERAMENTE INDENIZATÓRIA. ESGOTAMENTO DOS MEIOS DISPONÍVEIS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS.

A possibilidade da penhora do FGTS e PIS, na hipótese de Execução de Alimentos, já é matéria pacificada nos Tribunais.  Todavia, a mitigação da impenhorabilidade de tais verbas, na hipótese de pagamento de outros créditos, ainda tem sido bastante tímida, tendo os magistrados, quase sempre, aplicado a regra da impenhorabilidade, sem, contudo, analisar as peculiaridades do caso concreto.

Conforme já explanado, nosso entendimento é no sentido de que a impenhorabilidade poderá ser mitigada quando houver conflitos entre princípios e interesses, a depender do caso concreto.  Daí porque, não nos parece razoável a aplicação da regra da impenhorabilidade, sem o estudo casuístico, cauteloso de todas as circunstâncias relatadas nos processos de execução.

Na hipótese de outras verbas alimentares (além dos alimentos em si), não resta dúvida que o FGTS e PIS poderão ser penhorados para tal finalidade.

Neste contexto, é possível afirmar, por exemplo que, a penhora do FGTS e PIS para pagamento de honorários advocatícios.

A natureza alimentar dos honorários advocatícios soluciona-se na Súmula Vinculante n.º 47 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar, cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.”

Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos honorários advocatícios, não parece razoável o entendimento de que a impenhorabilidade do FGTS e PIS só poderia ser alegada nas hipótese de “Execuções de Alimentos”.  Isto porque, conferir tratamento diferente a créditos da mesma natureza e que possuem a mesma finalidade, com as mais respeitáveis vênias, não faz sentido algum.

O privilégio da penhora do FGTS e PIS nas Execuções de Alimentos dá-se justamente em razão da natureza dos Alimentos. E essa natureza é a mesma dos honorários advocatícios. Daí a necessidade de se questionar: se a natureza dos Alimentos justifica a dita penhora, por que a natureza dos honorários (que é a mesma dos Alimentos) não autorizaria, também, a penhora?

É por essa razão que, o TJDFT, já tem admitido a penhora do FGTS e PIS para pagamento de honorários, considerando a sua natureza alimentar. In verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS. CONTA VINCULADA DE FGTS E PIS. IMPENHORABILIDADE. ARTIGO 2º § 2º DA LEI 8.036/90. SÚMULA VINCULANTE 47 DO STF. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. CARÁTER ALIMENTAR. SUSTENTO DO PATRONO. AGRAVO PROVIDO PARA AUTORIZAR O BLOQUEIO NAS CONTAS VINCULADAS. A regra prevista no artigo 2º § 2º da Lei 8.036/90 tem sido mitigada quando a verba exeqüenda tem natureza alimentar. Nesse caso, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana têm autorizado que se recaia a penhora sobre os créditos do FGTS e PIS para se prestigiar os alimentos devidos. A Súmula Vinculante n.º 47 do Supremo Tribunal Federal afirma que os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar.  Honorários contratados ou de sucumbência possuem natureza alimentar, pois ambos visam o sustento do advogado. Decisão reformada para determinar a pesquisa e eventual bloqueio de créditos advindos da conta vinculada de FGTS da executada. (Acórdão n.986485, 20160020379102AGI, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 07/12/2016, Publicado no DJE: 13/12/2016. Pág.: 201/228) – Destacamos.

Ressalta-se, ainda ,que a manutenção da impenhorabilidade do FGTS e PIS para pagamento de verba de natureza alimentar é uma verdadeira incoerência. Isto porque, na maioria das vezes em que se pretende a penhora, o FGTS e PIS possuem natureza indenizatória,  servindo apenas como garantia futura na hipótese de demissão sem justa causa. Neste contexto, não faz qualquer sentido, priorizar créditos de natureza indenizatória em detrimento de créditos de natureza alimentar. Ou seja, a manutenção da impenhorabilidade, no presente caso, constitui medida desproporcional.

Na hipótese de penhora de FGTS e PIS para o fim de pagamento de verbas de natureza alimentar,  o que deve ser privilegiado e observado é o  princípio  que  preza  a  dignidade  e  subsistência  da  pessoa  humana, independentemente da finalidade  do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e do Programa de Integração Social. Só assim, seria possível atender a proporcionalidade exigida em nosso Direito.

O princípio da dignidade da pessoa humana previsto no inciso III do art. 1º da na Carta Magna é a fonte primária para que sejam protegidos os alimentos propriamente ditos e o salário em sua necessidade e utilidade. Sendo assim, a penhora do FGTS e PIS deve ser considerada devida para fins de pagamento de verba de natureza alimentar, sob pena de enxovalharmos o princípio da dignidade da pessoa humana.

Ressalta-se  que nas hipóteses de execuções em que todos os meios necessários à localização de bens  do executado foram devidamente esgotados,a penhora do FGTS e PIS, se mostra, ainda mais razoável, em especial porque, o esgotamento das providências demonstra que, todos os meios  consideráveis menos onerosos ao executado foram tentados, o que representa a observância plena do princípio da menor onerosidade.

  1. Conclusão

A impenhorabilidade poderá ser mitigada quando houver conflitos entre princípios e interesses, a depender do caso concreto.

Na hipótese de débitos de natureza alimentar, a penhora do FGTS e PIS, há nítido conflito entre a finalidade de tais verbas e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Considerando a relevância do princípio da dignidade, bem como a própria natureza dos honorários, deve ser admitida a penhora das constas vinculadas ao PIS e FGTS,  sobretudo quando diversas providências já foram adotadas no sentido de localizar bens passíveis de penhora.

 

Larissa Waldow

Advogada Sócia da Waldow & Dutra Advogados

 

  1. FONTES BIBLIOGRÁFICAS

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004. V.4, p. 55.

[2] ABELHA, Marcelo. Manual da execução civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.89-90.

[3] DIDIER JUNIOR, Fredie.  Curso de direito processual civil – Execução. Salvador: Editora JusPodivm, 2010, v. 5, p. 545.

[4] ASSIS NETO,  Sebastião de Marcelo de Jesus, Maria Izabel de Melo. Manual do Direito Civil, 3ª edição, São Paulo, Juspovivm, 2014, p.81.

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