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A conservação da Família: Breves comentários à guarda compartilhada

RESUMO

O presente artigo tem por finalidade traçar algumas considerações sobre a guarda compartilhada.

1.INTRODUÇÃO

Com a Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada passou a ser imposta como regra pelo nosso ordenamento jurídico. Entretanto, ainda existem por parte dos pais uma dificuldade para entender o que seria exatamente a guarda compartilhada e seus benefícios. Por estes motivos, este trabalho tem o intuito de contribuir com alguns breves esclarecimentos a repeito da guarda compartilhada.

2.A guarda unilateral e evolução histórica

A guarda unilateral, até meados de 2014, sempre foi a modalidade de guarda mais utilizada no Brasil.

Em uma linguagem simples, a guarda unilateral é aquela atribuída apenas a um dos genitores, ou seja, é a guarda exclusiva do pai ou da mãe, cabendo ao outro o direito de visitas e o direito de supervisão. Assim, nesta modalidade, quem efetivamente decide as questões que envolvem o filho é o guardião e as visitas são submetidas a horários e datas rígidas e pré-fixadas.

Historicamente, a guarda unilateral era comumente atribuída à mãe (embora esta não fosse uma regra), em razão do seu papel de cuidadora do lar. Assim, enquanto cabia ao pai sustentar os filhos, à mãe era destinado o dever de cuidado.

Infelizmente, quando se estabelecia a guarda unilateral, os filhos acabavam por ficar privados do contato físico com um dos pais, sujeitos a regras rígidas de convivência. Assim, o genitor que não detinha a guarda passava a ser mero visitante e fiscal do desempenho do guardião, embora ainda detivesse o poder familiar.

Tal situação acabava propiciando um afastamento entre genitor e filho, que não mais desfrutavam juntos de momentos importantes, do carinho do dia a dia, do ombro amigo, do contato físico, o que acabava por influenciar de forma negativa no desenvolvimento emocional da criança, bem como por facilitar a ocorrência da famigerada alienação parental.

Com a inserção da mulher no mercado competitivo de trabalho, a divisão de tarefas entre homem e mulher em relação aos filhos acabou perdendo a sua rigidez.

Assim, o homem deixou de ser o único provedor da casa, exigindo-se a necessidade dele ser corresponsável pela entidade familiar.

O aumento do convívio entre filhos e a figura paterna acabou por fortalecer os laços afetivos, criando uma consciência coletiva acerca do dever moral de cuidado e a importância da responsabilidade paterna.

Diante disso, o nosso ordenamento jurídico teve que se adequar às novas realidades e anseios sociais, buscando formas alternativas para minimizar o sofrimento do casal parental e de seus filhos quando diante de uma separação.  Afinal, quando se tem filhos o fim de uma relação conjugal não implica no fim da relação familiar motivo pelo qual os reflexos dos conflitos conjugais não devem afetar a relação de filiação.

  1. GUARDA COMPARTILHADA E SUA RELEVÂNCIA

A despeito de existir há anos a figura da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, esta somente passou a ter mais visibilidade quando, por meio da Lei 13.058/2014, passou a ser considerada como regra.

Porém, ainda existe uma tendência de muitos casais pleitearem a guarda unilateral quando decidem se divorciar, diante da insegurança causada pela guarda compartilhada e necessidade de manutenção de diálogo entre os pais mesmo após o término da relação conjugal.

Entretanto, a despeito desses receios, a guarda compartilhada é considerada a forma mais saudável de manutenção do vínculo parental entre pais e filhos, quando exercida com sabedoria e maturidade por parte dos pais.

Diferente da guarda unilateral, na guarda compartilhada há uma responsabilização conjunta em relação ao filho. Assim, nesse tipo de guarda, pai e mãe exercem de maneira conjunta e igualitária os direitos e deveres em relação aos filhos, sendo uma característica desse tipo de guarda a flexibilidade e paridade entre pai e mãe quanto ao período de convivência com os filhos.

A guarda compartilhada, portanto, veio para garantir que o filho tenha pais igualmente engajados e comprometidos com a sua criação e com os deveres ínsitos do poder familiar. Assim, diferente da guarda unilateral, garante-se ao filho a possibilidade de usufruir naturalmente da presença, amor, cuidado e afeto de ambos os genitores.

Por isso, é possível dizer que a guarda compartilhada foi uma conquista dos filhos de não romperem com o vínculo afetivo com os pais, após o desenlace conjugal.

Tal modelo de guarda visa a menor alteração possível na relação paterno-filial e materno-filial, propiciando melhor desenvolvimento psicológico e maior estabilidade emocional para o menor, que não sentirá a perda de referência de seu pai ou de sua mãe, bem como da própria estrutura familiar, como acontecia na guarda unilateral.

Com a guarda compartilhada, é mantido, mesmo que impositivamente, o casal parental, ou seja, é conservado o contato da prole com os seus dois genitores: pai e mãe dividirão isonomicamente o mesmo tempo e a mesma responsabilidade legal em relação aos filhos, compartilhando as obrigações e resolvendo, conjuntamente, todas as questões importantes da vida do infante, tais como a escolha da escola, as atividades extracurriculares (judô, ballet, línguas estrangeiras, natação, etc), as questões relativas à saúde, além de outras questões fundamentais para o bom desenvolvimento da criança.

Assim, com a guarda compartilhada, esse rol de incumbências deixa de ser uma obrigação unilateral (genitor guardião), passando a ser dever de ambos os genitores, que participarão de forma intensa e efetiva da vida de seus filhos.

No que diz respeito às vantagens da guarda compartilhada, esta tem sido comprovadamente um dos métodos combativos à prática de alienação parental, que não só é praticada de forma consciente pelos pais, mas, muitas vezes, de forma inconsciente e ingênua, fruto das mágoas decorrentes do fim da relação conjugal, do rompimento de sonhos e planejamentos e da dor de se começar uma nova história.

Interessante notar que a guarda compartilhada não só pode ser vantajosa para o menor, mas, também, para os pais. Uma razão óbvia para isso é que os pais, dividindo a guarda e tendo a convivência equilibrada com os filhos, ficam mais propensos a cooperar, resultando em menores níveis de conflito.

A convivência estabelecida entre pais e filhos, acaba por abrandar, inclusive, às discussões relativas à pensão alimentícia, pois, o convívio proporciona ao genitor que paga alimentos a verdadeira noção das necessidades do filho.

Não obstante, o compartilhamento das responsabilidades evita a sobrecarga de um único genitor e aquelas situações comuns em que um deles precisa “abrir mão” de si para cuidar da prole. Assim, os pais passam a ter, de forma igualitária, um equilíbrio entre a vida social, amorosa, profissional e familiar.

  1. GUARDA COMPARTILHADA. CONFLITOS E O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA.

A despeito de tantas vantagens, não restam dúvidas de que a guarda compartilhada só é eficaz nas hipóteses em que há um consenso, diálogo, força de vontade entre os genitores e, sobretudo, a consciência de que serão necessárias reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de dupla referência.

A guarda compartilhada implica em se doar, atenuar o egoísmo, nutrir a empatia, paciência, respeito mútuo, tolerância, diálogo, cooperação e buscar o melhor para o filho, entendendo que o melhor para o filho envolve, sempre, o bem estar de seus pais.

Não menos importante, é importante que os pais tenham em mente que a guarda compartilhada implica em preservar o amor que é sustentado pela filiação. Afinal, a separação do casal não implica em término da família, mas, sim, em sua transformação.

A necessidade de cumplicidade dos pais para amenizar os efeitos do divórcio sobre seus filhos, salvaguardando o amor decorrente da filiação, tem se mostrado um desafio para aqueles em que o fim  do casamento acaba resultando em profundas mágoas, sendo certo que, em situações de grave beligerância entre os genitores, não se aconselha a estipulação da guarda compartilhada.

É o que defende Eliana Riberti Nazareth, eminente psicanalista que tem voltado seus estudos ao Direito de Família:

A guarda compartilhada não seria indicada também nos casos em que os filhos são usados como moeda entre o casal, isto é, nas situações em que a disputa pela guarda é apenas um espaço privilegiado para o aparecimento de conflitos deslocados entre os pais. Não há aqui a preocupação com o bem-estar e o desenvolvimento das crianças. Estas são usadas e manipuladas com a intenção de ferir, magoar, vingar-se do outro genitor que é sentido e percebido como adversário a ser derrotado. Nessas situações, que infelizmente são mais comuns do que se imagina, é terminantemente contra-indicada a guarda compartida, porque as crianças converter-se-iam em alvos de ataque, instrumentos de investidas perversas e portanto tornar-se-iam mais vulneráveis, menos protegidas pelo genitor ou um terceiro mais amadurecido e adequado.[1]

De acordo com Fernando Augusto Chacha de Rezende[2]:

[…] nas situações em que o casal não está alinhado com a forma de educar a criança e em que não se dispõe a tomar decisões conjuntas, mantendo um relacionamento marcado por rivalidade e desavenças, referido ambiente não é o mais propício ao exercício da guarda compartilhada.

Acrescenta, ainda, que psicólogos de diversos países apontam que para se ter eficácia na guarda compartilhada é preciso estarem presentes na relação entre os genitores alguns requisitos, entre eles: (i) certo grau de flexibilização e maturidade para submissão aos sacrifícios; (ii) forte capacidade parental de ambos os genitores; (iii) capacidade de cooperação entre os genitores; (iv) inexistência de problemas de comunicação etc.

A aplicação pura e simples da guarda compartilhada, a ambos os genitores, se não houver inequívoca intenção das partes em “vivenciar” esta realidade, revela-se uma “solução parcial” e “meramente formal” que, certamente não vai solucionar o tumulto e a beligerância nas quais vivem genitores imaturos e revanchistas. [3]

Logo, é possível verificar que é vasto o entendimento no sentido de que nem sempre a guarda compartilhada será a mais indicada. Entretanto, nada impede que em caso de grave beligerância entre os pais, inicialmente seja fixada a guarda unilateral e, posteriormente, a compartilhada.

Por fim, é necessário frisar que, a despeito de grande parte dos pais divorciados apresentar um certo conflito, certo é que não é qualquer desavença que autoriza o afastamento da guarda compartilhada.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na qual era requerida a guarda compartilhada para um casal em conflito, o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves afirmou que:

Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do filho. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica à disposição de cada genitor por um semestre. Referiu ainda que para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos[4][1].

Assim, a guarda compartilhada somente poderá ser afastada se, somente se, tal solução for melhor para a criança. Em outras palavras, deve-se ter em mente que o que se protege nesses casos é a criança e não os interesses egoísticos dos pais.

  1. CONCLUSÃO

Em uma época em que tantos valores estão distorcidos e o egoísmo tem preponderado nas relações interpessoais, entendo que a grande finalidade da Lei 13.058/2014 é a de alertar os pais a respeito da prioridade e vantagens da guarda compartilhada e a necessidade de sempre se buscar o melhor para os seus filhos.

Embora a fixação da guarda unilateral seja a solução mais simples e fácil quando finda a relação conjugal, nem sempre ela será a mais vantajosa. E, ainda que se mostre vantajosa em um determinado momento, não quer dizer que tal condição deve ser mantida eternamente.

Salvo as hipóteses em que comprometido o bem estar da criança, não restam dúvidas que a guarda compartilhada oferece maiores vantagens do que a guarda unilateral, a despeito da dificuldade de sua implementação.

Na prática, o que se percebe é um ressentimento, por parte de ambos os pais, de um civilizado diálogo, de uma mútua cooperação. Muitos entendem que é melhor e mais fácil decidir “sozinho” determinado assunto do que discuti-lo com o outro genitor.

Divergências a respeito do que seja melhor para o filho sempre existiram e existirão. Se, antes do divórcio, a despeito das discordâncias, era possível chegar a um acordo, o mesmo pode acontecer após o divórcio, bastando apenas que ambos compartilhem o amor pelo filho.

Por isso, salvo em raras situações e longe de menosprezar a intimidade e o sofrimento dos envolvidos, em face dos benefícios da guarda compartilhada e do melhor interesse da criança, ainda que existam conflitos, é necessário exigir dos pais que se esforcem a favor daquele que tanto amam e que não tem qualquer culpa pela separação, já que esta é uma escolha dos pais e não da criança.

Tal esforço será devidamente recompensado com o equilíbrio psicológico e emocional não apenas do filho, mas dos próprios pais que optarem pela guarda compartilhada, pela manutenção da família e pela paz.

Outrossim, é de extrema importância que se quebre a tradição cultural, segundo a qual apenas a mãe tem a capacidade de renunciar e se dedicar, cabendo exclusivamente a ela a criação dos filhos. Afinal, tal visão cria uma sobrecarga às mães que acabam abdicando de si. Embora muitas não se importem com esse processo de “anulação”, não há como dizer que ele é sadio ou até mesmo justo.

Os pais são igualmente responsáveis pelos filhos e não só podem como devem dividir com as mães o ônus da criação, permitindo que, ambos, possam equilibrar a função de pai e mãe, com a vida social, amorosa e profissional. Afinal, como dito alhures,  o melhor para o filho envolve, sempre, o bem estar de seus pais.

Importante lembrar, ainda, que se diga que a educação e a visão de um pai possam ser diferentes da mãe, tais diferenças acabam se complementando em benefício dos filhos quando há um diálogo saudável entre os genitores.

Em regra, o melhor lugar para um filho é perto da mãe e do pai, pois estes são os seres que mais o amam e o querem bem. E é por amor que é possível superar as diferenças e ressentimentos. Afinal, Segundo Barbosa Filho,  “O verdadeiro amor não traz consigo sofrimento, egoísmo, ciúmes ou orgulho. Amar é dar o melhor de si pela pessoa amada, sem necessidade de propriedade ou retribuições”  e “são dos sacrifícios do amor que a humanidade inteira retira seu fôlego de esperança para continuar existindo”.

 

Larissa Waldow

Advogada Sócia da Waldow & Dutra Advogados

 

6.FONTES  BIBLIOGRÁFICAS

[1] NAZARETH, Eliana Riberti. Com quem fico, com papai ou com mamãe? In NAZARETH, Eliana Riberti (coordenação geral). Direito de Família e Ciências Humanas – Caderno de Estudos nº 1. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997, p. 83.

[2] REZENDE, Fernando Augusto Chacha. Inconstitucionalidade material do § 2º, do art. 1.584 do Código Civil: a guarda compartilhada impositiva no dissenso. Revista Jurídica Consulex, n. 435, ano 19, 01.03.2015.

ABBAD, Roosevelt. Os desafios da guarda compartlhada: parte I. disponível em https://rooseveltcarlos.jusbrasil.com.br/artigos/176024223/os-desafios-da-guarda-compartilhada-parte-i, acesso em julho/2019.

[3] LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários à Lei 13.058, de 22.12.2014 – Dita, nova Lei da Guarda Compartilhada. Revista de Direito de Família e das Sucessões | vol. 3/2015 | p. 77 – 94 | Abr – Mar / 2015 | DTR\2015\2798

[4] TJRS – AC 70005760673 – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – DOERS 26.03.2003

Outras fontes:

– BARBOSA, Águida Arruda. Guarda Compartilhada e Mediação Familiar: uma parceria necssária. Disponível em http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Aguida-Arruda-Barbosa-Guarda-Compartilhada-e-media%C3%A7%C3%A3o-familiar-parceria.pdf, acesso em julho/2019.

– DELGADO, Mario. Antônio Carlos Mathias Coltro. Guarda Compartilhada. 3 Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018.

– DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5 Ed. São Paulo, Revista dos Tribunais. 2009.

– PEREIRA, Clovis Brasil. A guarda compartilhada: entre o desejável e o impossível. Disponível em

https://www.prolegis.com.br/a-guarda-compartilhada-entre-o-desejavel-e-o-possivel/, acesso em julho/2019.

– ROLF, MADALENO. Guarda Compartilhada: física e jurídica. 3 Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

– TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2016.

– VIERIA, J. A.; MANSILIA, J. G. Guarda Compartilhada: uma alternativa para coibir a síndrome de alienação parental. In: ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR – Brasil. Ano IX, n°. 16, jan/jun 2017. ISSN 2175-7119. Disponível em http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima16/8.A-Guarda-Compartilhada-Jayne-Aparecida-Vieira.pdf, acesso em julho/2019.

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