O princípio da dignidade humana no direito de família
Como princípio maior (valor nuclear da ordem constitucional, princípio máximo, ou macroprincípio) do qual irradiam todos os demais princípios, tem-se o da dignidade da pessoa humana. Este, inclusive, foi elevado a fundamento da República, conforme art. 1o, III da Constituição Federal.
Por ser um macroprincípio, a dignidade humana servirá como norte nas hipóteses de colisão de princípios, pois, nestes casos, caberá o interprete buscar, sempre a melhor forma de alcançar a dignidade da pessoa humana (1), já que, assim, conseguirá atender os ditames de justiça, moralidade e equidade.
A despeito da popularidade do princípio da dignidade da pessoa humana e da sua relevância como macroprincípio, defini-lo não é tarefa fácil, e seu significado é difícil de ser traduzido em palavras, sendo mais fácil senti-lo .
Na verdade, o referido princípio trata-se de uma cláusula aberta, uma fórmula lógica abstrata cujo conteúdo será preenchido concretamente a partir de certas circunstâncias de tempo, lugar e desenvolvimento histórico-cultural em cada coletividade.
A dignidade é a essência de todas as pessoas e sua noção esta relacionada ao entendimento Kantiano (KANT, 1986,p. 77) segundo o qual
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade. (apud LÔBO, 2016, P.111) (2)
É por isso que se afirma que no momento que a Constituição Federal adotou a dignidade da pessoa humana como a fundamento da ordem constitucional , houve uma despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no cento da proteção do direito (3).
Ainda nessa linha, entende Paulo Lôbo (4) que viola a dignidade da pessoa humana todo ato que coisifique a pessoa, equiparando-a a um objeto, ou coisa disponível.
Segundo Luis Fernando Barzotto (5) “A dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Dizer, portanto, que uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana, isso significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa”.
Ainda no entendimento de Luis Fernando Barzotto, “Reconhecer o ser humano como pessoa é o desafio ético de civilizações (escravidão, colonialismo, imperialismo), povos (estrangeiros, minorias, hierarquia social), e pessoas (preconceito, discriminação, indiferença). Reconhecer o outro como pessoa é afirmar o valor ou a dignidade inerente à condição de pessoa”.
A dignidade, em sentido jurídico, é uma qualidade intrínseca do ser humano que gera direitos fundamentais: i) de não receber tratamento degradante de sua condição humana (dimensão defensiva); ii) de ter uma vida saudável (dimensão prestacional), vale dizer, de ter a colaboração de todos para poder usufruir de um completo bem-estar físico, mental e social (conforme os parâmetros de vida saudável da Organização Mundial de Saúde); iii) de participar da construção de seu destino e do destino dos demais seres humanos (autonomia e cidadania) (6).
A dignidade humana é citada na Constituição Federal como principio balizador do planejamento familiar, ao lado da paternidade responsável (art. 226, § 7o), e, embora seja um direito fundamental atribuído a todos, tem especial destaque em relação às crianças (art. 227, caput) e idosos (art. 230), tendo em vista a sua vulnerabilidade.
No direito de família, frequentemente a dignidade da pessoa humana é utilizada para fundamentar o direito e revisão de alimentos, a impenhorabilidade de bem de família, o direito ao nome, a necessidade de reconhecimento do estado de filiação, a filiação socioafetiva, o dano moral para vítimas de violência doméstica (7), as exceções às regras de adoção, dentre outros.
Larissa Waldow
Sócia da Waldow & Dutra Advogados
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
- PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2a Edição. Rio de Janeiro, Forence, 2021, p. 83.
- LÔBO, Paulo, et al. Tratado de Direito de Família. 2a Edição, Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, p. 111)
- DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11a São Paulo; Revista dos Tribunais, 2016, p. 48.
- LÔBO, Paulo, et al. Tratado de Direito de Família. 2a Edição, Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, p. 111)
- BARZOTTO, Luis Fernando, Pessoa e reconhecimento: uma análise estrutural da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. Doutrina Essenciais de Direitos Humanos .Vol. 1 .p. 655 – 681 , Ago / 2011 | DTR\2012\450467.
- SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 15-43
- Tema repetitivo 983: “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”.